"Ninguém promove o aprendizado de algo que não teve a chance de desenvolver. Ninguém promove autonomia que não tenha experienciado em si mesmo." (Mello, 2000)
A maioria de nós adultos não teve a oportunidade de experienciar, durante a escolarização, uma educação holística. Com os educadores que hoje atuam nessa educação não foi diferente.
Assim, vocês podem imaginar o quão desafiador pode ser para alguém que teve toda sua educação de forma transmissiva e passiva, promover e fomentar uma educação autodirigida, autônoma, com diversidade de formatos e linguagens.
Ao longo desse texto, vamos falar sobre isomorfismo - a ideia de que, se desejamos inovar na educação, os professores precisam, muito mais do que falar sobre os novos formatos de educação, vivenciar os novos formatos de educação.
O que é isomorfismo?
Conforme nos explica Sérgio Niza (2009), isomorfismo é a estratégia metodológica que consiste em oferecer aos educadores experiências em que as atitudes, procedimentos e técnicas que gostaríamos que fossem aprendidas são efetivamente experienciadas pelos aprendizes.
Isomorfismo é a maneira que temos de trazer a experiência real para os educadores e ajudá-los a incorporar conhecimento que será chave para promover uma transformação real e duradoura na educação.
Essa ideia também é encontrada com o nome de homologia de processos.
Como funciona o isomorfismo?
O isomorfismo é uma estratégia fundamental para os educadores que desejam atuar a partir de conceitos inovadores de educação. Para que os processos de inovação saiam do discurso e sejam incorporados à prática, a ideia de isomorfismo deve ser a base da formação de professores.
Se queremos que os educadores ofereçam autonomia aos estudantes, eles precisam experienciar autonomia em suas práticas também.
Se almejamos que utilizem uma diversidade de linguagens, eles precisam experimentar essas linguagens na sua formação e também nas suas práticas cotidianas na escola.
Assim, anos atrás, ao tentar fomentar o uso de maior diversidade de linguagens com as crianças, no lugar de palestrar a respeito, oferecemos uma formação inteira baseada no uso dessas linguagens.
Pintura, textos, vídeos, esculturas, mapas.
Ao vivenciar todas essas possibilidades, os educadores passaram a poder oferecer essas linguagens com muito mais confiança e propriedade, além de saber ("na pele") das dificuldades e desafios presentes em cada uma delas, para poder melhor auxiliar os estudantes.
A partir dessa experiência, com a premissa do isomorfismo como guia, sempre que pensamos em desenvolvimento profissional, cuidamos para que haja o mesmo tipo de diversidade e riqueza de vivências e propostas que almejamos para os nossos estudantes:
Estamos proporcionando equilíbrio entre os pilares do mapa holístico?
Os professores têm voz na escolha dos temas, organização dos formatos, seleção das linguagens?
Autoconhecimento e autoria tem espaço na nossa formação?
Sempre buscando manter a coerência nas nossas práticas, seguimos oferecendo aos educadores as ferramentas, formatos e organização que gostaríamos que eles oferecessem aos nossos estudantes.
Para que vivenciem a educação holística, vamos muito além de palestrar sobre seus conceitos; oferecemos, ao invés disso, uma vivência imersiva na educação holística.
O que o isomorfismo proporciona na prática?
Se falamos em aprendizagem baseada no interesse dos alunos, temos também que pensar formação baseada no interesse dos educadores.
Ao final de cada semestre, realizamos sessões de feedback com os educadores para entender o que ficou importante para eles durante o semestre e quais são os pontos que gostariam de dedicar mais atenção no semestre seguinte..
Com base nesse feedback, montamos a estrutura-base para a formação que acontece no início de cada semestre. Com essa base em mãos, vamos atrás de contemplar interesses específicos dos educadores.
Práticas como "O que eu gostaria de aprender mais" e "O que eu sei/aprendi e gostaria de compartilhar" colocam os educadores no centro de seus processos de formação e desenvolvimento, empoderando-os para serem responsáveis por seus caminhos de aprendizado.
Tema de estudo, ritmo de aprendizado, foco em amplitude ou aprofundamento - cada uma dessas áreas é contemplada de maneira única e personalizada para cada educador, sendo a escola facilitadora desses processos.
Se falamos em gestão de tempo e tarefas sob responsabilidade dos estudantes, temos também que pensar planejamento e práticas nas mão dos educadores.
Por entendermos que a prática pedagógica é viva e dinâmica, não pensamos em um planejamento engessado e imutável, mas projetamos um plano de possibilidades visando nortear as propostas, provocações, intervenções e observações que realizaremos.
O ideal é que o plano de possibilidades contemple o que foi planejado, em que tempo será realizado, que espaço será utilizado, que agrupamentos serão organizados e quais materiais/recursos serão necessários.
PLANEJAMENTO, EXECUÇÃO e REFLEXÃO SOBRE A PRÁTICA
[...] o planejamento é definido como um método de trabalho, no qual os educadores apresentam objetivos educacionais gerais, mas não formulam os objetivos específicos […] para cada projeto ou cada atividade de antemão. Em vez disso, formulam hipóteses sobre o que poderia ocorrer, com base em seu conhecimento das crianças e das experiências anteriores. Juntamente com essas hipóteses, formulam objetivos flexíveis e adaptados às necessidades e interesses das crianças, os quais incluem aqueles expressados por elas a qualquer momento durante o projeto, bem como aqueles que os professores inferem e trazem à baila à medida que o trabalho avança. (RINALDI, 1999)
Se falamos em espaço e recursos para que os estudantes possam perseguir seus interesses individuais (free investigation), temos também que pensar essa possibilidade para educadores (Professor mestre).
Assim como falamos da singularidade do educando, entendemos que cada profissional também tem suas características únicas.
Sendo assim, a ideia do "mestre" é potencializar o que cada um faz de melhor.
O que é super tecnológico pode ser a referência para todos os colegas quando o assunto for tecnologia. O que é organizado pode dar dicas de organização aos colegas que sofrem com essa questão. O que aquele educador, que é único, faz de melhor? O encorajamos a mostrar para todos como pode ajudar.
Estamos todos unidos pelos mesmos propósitos e sabemos que cada um é extremamente importante para que possamos alcançá-los.
Quanto mais espaço os educadores têm para personalizar seus caminhos de aprendizagem, melhor eles o fazem e mais os estudantes ganham.
Quando a preocupação de uma vivência verdadeiramente holística é para todos, a rotina escolar se torna um espaço-tempo de conquistas, evolução e felicidade.
Quando proporcionamos aos educadores e estudantes um ambiente que incentiva autonomia, propicia escolha e fomenta autoria, cultivamos uma comunidade baseada na confiança e na colaboração, em que cada indivíduo envolvido emprega genuinamente suas melhores competências para que o todo evolua.
Gostaria de pensar suas formações de professores com a premissa do isomorfismo - professores aprendendo na prática?
Referências
Mello, G. N. (2000, Jan). Formação Inicial de Professores para a Educação Básica: uma (re)visão radical. São Paulo em Perspectiva, 14(1), 98 - 110.
Niza, S. (2009). Contextos cooperativos e aprendizagem profissional: a formação no movimento da escola moderna. In Formação de professores: aprendizagem profissional e acção docente. (345-362.). Porto Editora.
Rinaldi, C. (1999). RINALDI, C. O currículo emergente e o construtivismo social. In As cem linguagens da criança: a abordagem de Reggio Emilia na educação da primeira infância. Artmed.
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